segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Carta ao meu pai

Olá!
Suas palavras ainda ecoam em meus ouvidos: Esqueça que você tem pai! Fico feliz e triste por ter resolvido essa questão e finalmente poder dizer em alto e bom som que sou um ser completo, único e verdadeiro. Sim, sou gay. Não, sua reação não vai mudar isso.

E é uma pena. Não vou ser hipócrita e dizer que só o senhor vai perder com isso. Mas sua ausência é uma dor que me acompanha a muitos anos. Talvez, desde a barriga da minha mãe quando fui conhecido como seu "bastardinho". Mas, isso já foi superado a muito tempo. Fui uma criança feliz e o senhor foi, junto de mamãe o responsável pela infância tranquila e feliz que eu tive.

Mas, o tempo passou e nos tornamos estranhos. Não por eu ser gay ou por causa de suas escolhas, como nos deixar a alguns anos atrás, mas por simplesmente, sermos diferentes. Personalidades opostas e mundo completamente distintos, só poderia redundar nesse distanciamento, que em nada atrapalhava nossa relação de pai e filho.

Agora, de novo, preciso enfrentar e digerir uma nova escolha sua. Sim, sua e completamente sua. Por mais diferentes que somos, e agora com a questão da sexualidade, o senhor é que não quer ser meu pai.

Isso dói muito. Não escolhi ser assim. Como o senhor não decidiu ser hétero. Mas, escolhi sim ser sincero e verdadeiro com o que eu sinto e com quem eu sou. E, infelizmente, além do gay sou muitas outras coisas que o senhor não vai ter a oportunidade de saber, ou sabe, e prefere ignorar.

Também, preciso dizer: não é uma escolha minha sofrer preconceito como o senhor disse. É tão ridícula essa afirmação quanto pensar que o racismo é culpa dos negros. Sei que o senhor é mais esperto que isso. Nem precisa de inteligência.

Outro ponto que achei muito engraçado de sua fala, pra falar o mínimo, é da substituição que o senhor pretende fazer. Não há nada que o senhor poderia viver comigo que poderia viver com o meu irmão, simplesmente, por que cada um de nós é único.

Ainda, é interessante essa perspectiva da igreja de que posso mudar. Nenhum de vocês parou pra pensar que se um gay pode ser transformado em hétero o oposto é verdadeiro? Ou é só o desejo de enriquecimento ilícito que ocupa o pensamento do pastor que te orienta? E, não! Não me venha com papo sobre bíblia, porque se continuar a leitura da mesma passagem que o senhor utiliza para me considerar abominação, a pena para suas práticas e outras tão comuns dos dias atuais, receberiam condenações muito mais severas. Mas, essa parte todo evangélico pula né? Por que condenar o divórcio, o consumo de frutos do mar e de tipos diferentes de tecido no mesmo look não aliciam fiéis ignorantes, como o senhor tem se mostrado, não é mesmo?

Estou muito chateado com sua postura. Sim, porque sou seu filho e no fundo no fundo, gostaria de encontrar agora aquele pai herói que existia nos meus sonhos. Ou no máximo, o pai humano que poderia simplesmente me dar um abraço e reconhecer que mesmo não sendo uma questão fácil, eu não deixaria de ser seu filho e encontraríamos a melhor maneira de conviver. Mas, essa é outra escolha com a qual sua consciência vai ter que lidar eternamente.

Não vou nunca te dizer o que o senhor me disse ao telefone, caso resolva me procurar. Não por ser uma pessoa mais evoluída ou sei lá o que. Não vou dizer porque meu amor é incondicional e ainda existe aqui dentro uma pontinha de esperança que esse momento de ira se dissipe, e o senhor encontre aí dentro do seu coração o amor pelo seu filho. Quem sabe né?

Mas, por enquanto, é adeus! Quem sabe, até qualquer dia...

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